segunda-feira, 10 de março de 2014

Uma discussão que a sociedade provavelmente não terá


Em meio ao frenesi despertado pela expansão do UFC (Ultimate Fight Championship) e do MMA como esporte que revelou novos “heróis” e vencedores para o Brasil, uma pergunta me veio à mente: quais serão as consequências para nossa sociedade se as Artes Marciais Mistas se tornarem um esporte popular como o futebol, da maneira como desejam lutadores como o compatriota Victor Belfort e o presidente da competição, o norte-americano Dana White?
Primeiramente, como vivemos na lógica do capitalismo tardio, tudo se torna uma mercadoria. Os filósofos de Frankfurt, Adorno e Horkheimer ficariam impressionados do que é capaz a franquia administrada por White, que soube aproveitar na decadência do boxe um grande negócio: são centenas de produtos licenciados com a marca UFC, de camisetas a cadernos, passando por contratos de transmissão, reality shows, academias, que tornaram o UFC uma das marcas mais rentáveis do mundo, avaliada hoje em cerca de $2 bilhões e presente em mais de 150 países. Não por acaso o multibilionário Eike Batista já assinou contratos para difundir o esporte e vislumbrar mais lucros. Desse modo, o Brasil já é o terceiro maior mercado da modalidade, e conforme avisou White, “o Canadá que se cuide”, pois logo menos estaremos atrás somente dos EUA.
Em segundo lugar, o UFC na grande mídia proporcionará a ascensão de novos ídolos brasileiros, com o advento de várias “histórias de campeão”, de superação de garotos pobres que saíram da vida humilde para o estrelato em Las Vegas, como é o caso do atual campeão dos leves, o manauara José Aldo Jr. e de tantos outros aspirantes a Rocky Balboa. O enredo já é conhecido há tempos, como é o caso do futebol, e qualquer outro esporte: a combinação de criminalidade, pobreza, com uma oportunidade esportiva e habilidade = sucesso e uma história comovente que gera lucro para os empresários e lágrimas para a população. Todo esse cenário é fácil de ser visualizado e sendo nosso país muito carente, esse “oba-oba” promovido pelo ufanismo típico da grande mídia fará com que a sociedade veja o MMA como um grande espetáculo.
O que os meios de comunicação infelizmente não vão discutir é o impacto do UFC na vida das famílias brasileiras e na educação dos filhos, mais especificamente na mente das crianças. Não discuto a importância de uma arte marcial na formação do cidadão, com lições de obediência, competitividade, lealdade, concentração, entre tantas outras boas coisas que se adquirem com muita orientação e que se consolidam na vida adulta. Entretanto, por outro lado, é inegável que o MMA além de apaixonante, pode ser uma válvula de escape para exteriorizar a nossa cólera interior. E aqui é onde mora o perigo.
O fato que me alarmou ao assistir o UFC Rio foi uma cena de um garoto de cerca de oito anos filmado nas arquibancadas, vestido como um lutador, imitando os gestos de seus ídolos. Estaria ali um futuro “gladiador do terceiro milênio”? Será que nessa idade temos o discernimento do significado de uma luta que possui regras e limites? Qual será o impacto psicológico para uma criança ao ver um lutador sangrando, sendo espancado no chão, ou então sendo “finalizado” até “apagar”, perdendo a consciência? O MMA incentivaria a violência? É mais do que sabido que a criança imita o adulto. Além disso, os últimos estudos mostram o quanto é ruim para a criança assistir desenhos e jogar games violentos. Não preciso nem tentar imaginar o resultado disso nas escolas.
Torço para estar errado ao afirmar que essa é uma “discussão que a sociedade não terá”, pois agora que enfim conseguiu o espaço na grande mídia e no establishment brasileiro e mundial, discutir limites de divulgação do UFC e o seu impacto negativo vai ser considerado desnecessário, fútil, irrelevante a ponto de os fanfarrões de plantão tentarem convencer de que o esporte não é violento, como afirmou o próprio White: “é mais perigoso jogar badminton”.

Vladimir Miguel Rodrigues, 27, filósofo, professor, é Mestre em História e Literatura pela UNESP/Ibilce.
ACESSADO EM 10/03/2014

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