Weffort
(2001) aponta a importância de ler as obras clássicas na fonte, com
apoio de uma(um) comentadora(r) especialista da área, além da
própria interpretação da(o) leitora(r) já que em política um
exercício de interpretação é sempre um exercício de liberdade.
Partindo
desse formato, o primeiro capítulo do livro “Os clássicos da
política” volume 1, formulado por Maria Tereza Sadek, nos
apresenta uma breve biografia de Maquiavel, o contexto sociohistórico
em que viveu e sua principal obra: “O Príncipe” (1512-1513).
Maquiavélico
e Maquiavelismo são adjetivos e substantivos respectivamente que
estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto na fala
cotidiana do dia-a-dia. Em qualquer deles, porém, esta associado à
“procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro." (...) “não
há tirano que não tenha sido visto como inspirado por Maquiavel”.
Nascido
na Itália Renascentista, que se encontrava dividida em pequenos
reinos, Maquiavel organizou seus pensamentos em diversas obras, nas
quais o Estado fora sua preocupação base. Ao propor uma concepção
de Estado concreto, estruturado na realidade experimentada, Maquiavel
rompe com o paradigma repetido por séculos de um Estado idealizado,
pondo fim à ideia de uma ordem natural e eterna. Para ele, a ordem é
construída a partir da organização social coletiva, o que
reinterpreta a questão política vigente, inaugurando o que
compreendemos como Estado Moderno.
A
prática política, segundo Maquiavel, exige virtù,
o domínio sobre a fortuna. Mas como isso seria possível? Maquiavel
considera que a Fortuna é uma deusa boa, assim como na Antiguidade,
uma aliada em potencial que precisava ser atraída, pois tinha os
bens que interessava a todos os homens: poder, gloria, honra e
riqueza, mas só seria favorecido quem a seduzisse, e isso só seria
possível aos homens de inquestionável coragem e virilidade, somente
quem possuísse essas qualidades ou essa virtú,
poderia ser agraciado com os presentes da cornucópia da Deusa
Fortuna.
Com
o advento do Cristianismo, a deusa Fortuna deixa de ser considerada a
boa deusa, e é substituída por um poder cego, inabalável, fechada
a qualquer influencia, que distribui seus presentes de forma
indiscriminada. A cornucópia é substituída pela roda do tempo, que
gira indefinidamente sem que se possa descobrir o seu movimento. Os
bens valorizados, neste momento, deixam de ser a honra, o poder, a
riqueza e a gloria; a felicidade só pode ser conquistada no paraíso.
O homem não tem controle sob seu destino, e fica a mercê da
providencia divina.
Contudo,
Maquiavel acredita que é possível que o homem de virtú
possa ter o domínio da fortuna, pois a liberdade do homem pode
amortecer o suposto poder da Fortuna. Ela é uma deusa boa que deseja
ser seduzida e conquistada pelos homens bravos, corajosos, aqueles
que demonstrarem ter virtú.
Importante
ressaltar que ao comparar a virtude com uma deusa, e posteriormente
com uma mulher que podia ser subjugada pela violência e humilhação,
Maquiavel aponta em seus escritos a historicidade do machismo
ocidental.
O
autor italiano usa a figura do mito da deusa Fortuna, não da maneira
tradicional, isso porque ele recupera no mito questões adormecidas e
pacificadas e o usa para subverter as concepções acomodadas. Neste
sentido, não cabe a idéia da virtude cristã para o príncipe, que
crê na bondade angelical alcançada pela libertação das tentações
mundanas, mas que na verdade ele precisa perseguir o poder, a honra e
a gloria, que são típicos prazeres terrenos, e que só podem ser
alcançados através da luta pelo homem de virtú.
Nesse sentido, ele destaca que o poder se funda na força, mas é a
posse de virtú
a chave por excelência do sucesso do príncipe para a manutenção
da conquista. Assim sendo, o homem de virtú
deve atrair os favores da cornucópia, conseguindo a fama, a honra e
a gloria para si e a segurança para seus(suas) governados(as).
Um
príncipe sábio deve guiar-se pela necessidade, aprender os meios de
não ser bom e a fazer o uso ou não deles, conforme as
circunstâncias. O governante deve aparentar possuir as qualidades
valorizadas pelos(as) governados(as). O jogo entre a aparência e a
essência sobrepõe-se a distinção tradicional entre virtudes e
vícios. Se para agir com sabedoria, o príncipe tiver que cometer
crimes ou ser cruel, ele deve fazê-lo de maneira rápida, pois o que
importa é o triunfo das dificuldades e a manutenção do Estado.
A
famosa frase atribuída ao autor “os fins justificam os meios”,
para alguns pode ser considerada o resumo do pensamento dele, mas tal
formulação não é encontrada na obra de Maquiavel. Essa frase,
amplamente conhecida, fora do contexto, foi usada para justificar
atos tirânicos ao longo da historia que deturparam o real sentido da
obra do autor, que acreditava que o príncipe deveria fazer o que
fosse necessário para manter o Estado unido, e conseguir governar.
O
príncipe, para ele, deve ter sabedoria para agir conforme as
circunstâncias, aparentando possuir qualidades valorizadas pelos(as)
governados(as). Metaforicamente, o príncipe remete à uma imagem
dual, metade humana, metade animal: enquanto a natureza humana diz
respeito a anteriormente mencionada necessidade de virtù,
a natureza animal se refere ao leão e a raposa, símbolos
representantes do medo e da astúcia enganadora.
Ao
propor essa caracterização ao príncipe, Maquiavel rompe com a
concepção de Estado diretamente relacionada à moral, uma vez que
aponta a manipulação dos(as) governados(as) como estratégia para
se manter no poder.
Consideramos
pertinente a comparação dessa característica dual com o governo
populista de Vargas. Popularmente conhecido com o ‘pai dos pobres’,
Getúlio ora defendia os interesses da classe dominante, ora se
mostrava defensor da classe oprimida. Esse jogo de manipulação
política certamente pode ser analisado como mecanismo para
manutenção do poder no Estado burguês brasileiro.
No
cenário da Itália Renascentista, Maquiavel escreveu “O Príncipe”
(1512-1513) possivelmente para trazer a necessária centralização
política ao centro do debate. Perseguida pelo Index (índice de
livros proibidos pela Igreja), a obra se estruturou no contexto
conflituoso da época, quando a península fragmentada estava à
mercê das grandes potências europeias, correndo perigo de ser
dominada/invadida por elas.
Após
escrever o clássico d’O príncipe, publicado postumamente,
Maquiavel indica a república como caminho possível em seguida da já
apoiada unificação italiana, descrevendo em “Discursos sobre a
primeira década de Tito Lívio” (1513-1519) inclinação política
à república.
A
provável defesa da unificação italiana para a implementação de
um governo democrático nos incita a pensar que Maquiavel se dirigia
à classe oprimida em seus textos, assim como o fez, no âmbito da
educação, Paulo Freire, na década de 1970 no Brasil. Freire marca
o desvelamento da realidade e sua problematização como marcos
cruciais para a emancipação da classe oprimida. Nesse sentido,
achamos pertinente discorrer sobre a possível dialogicidade dessas
obras.
Historicamente
condenado à visão de um politicista sem escrúpulos, Maquiavel
seguramente se configura como referência para a compreensão, em
seus múltiplos entendimentos, da estrutura do Estado Moderno. Suas
ideias sobreviveram ao próprio tempo, sendo fonte de estudo da parte
constitutiva da nossa própria atualidade.
Referências
Bibliográficas
SADEK,
M.; “MAQUIAVEL,
N.”.
“Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual
de virtù”.
14ª ed. In: Os
clássicos da política.
São Paulo, Ática, vol.1, 2010. p. 11-50.
Nenhum comentário:
Postar um comentário